sexta-feira, 1 de julho de 2011

Jogo da Vida

Quem quer ser gente?


No jogo da vida, somos lançados a um ambiente gelado, a uma terra estranha que tem como avatares semelhantes como nós porém já 'educados' e bem treinados para serem humanos. Nascemos sem roupa, com a cabeça e a culpa virgens prontos para sermos engessados e assim recebermos o título de ser humano civilizado. Parabéns a quem conseguir o título com honra. Avalio minha própria experiência de vida e 'treinamento' militar a que fui submetida para poder receber a tão sonhada (por meus pais) medalha de aptidão em ser algo nesta terra. Tenho uma particular inclinação ao desvio, sempre soube. Hoje entendo melhor. Assisto assustada a alguns fatos em que escolhemos ser parecidos com os outros. Aceitamos ser educados por eles e repetimos a didática a quem temos alguma autoridade. Sem pensar.

Casamento precoce
Quando criança jogava o tal Jogo da Vida da Estrela e me via naqueles pinos coloridos que colocávamos nos carrinhos para ir seguindo às casas. Iguais, só tinham as cores diferentes para segregar os gêneros. Lúdica metáfora da vida, fazia-me desejar ser aquele pino e conquistar tudo que a Vida podia oferecer: carros, apartamentos, viagens. O Jogo era mais um instrumento de educação na terrível escola de preparar 'humanos'. A questão é que quem sobrevive até agora a normalidade sem muitos tilts na cabeça, aprendeu direitinho a lição.

De fato, é bem cômodo sermos iguais. Você se sente parte de uma 'realidade' que deve ser real, talvez algum se questione. Afinal, se viver civilizadamente for somente 01 modo de ser,  instituído, ensinado e retransmitido há tantos anos, podemos estar errados e minha cabeça desviante poderá estar certa. Ou isso é somente a ilusão de uma conspiração criada por mais um neurótico, filho da nossa educação civilizada.

Não só a vida imita o Jogo, mas o Novo Jogo da Vida imita também as mudanças sociais e se atualiza para se adaptar aos novos jogadores. Babem: existe o Jogo da Vida Famílias Modernas, cliquem no link e vejam detalhes. Lá, no ambiente do Jogo, os personagens são bastantes variados, além do jogador tradidional tem o filho de divorciados, o gay, o filho adotivo, e o independente. Alguém não se encaixa nestes perfis? No final, continuamos pinos.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Era uma vez uma rainha...


É difícil encarar a realidade de que você é somente mais um na multidão. O que te faz único? Pra quem você é importante? O espelho pode ser mortal nessas horas. Nem tudo é close, baby! Há algo além do que se limita às bordas do teu corpo. Minha cabeça é uma fábrica que cria realidades bem diferentes desta realidade-comum que escolhemos compartilhar e viver. Aqui, no Grande-Contrato, desempenhamos um papel que fica bem na fita ou pelo menos lutamos pra que isso aconteça. Os desvios que se apresentam são retratos de indivíduos em quase-surto querendo voltar pra casa, pra sua realidade tão confortável com cheiro bom de satisfação plena (?). No mundo de cada um, pode-se ser tudo, pode-se ser o que sua livre consciência puder imaginar. Lá é tão bom que tenho medo de me perder, de me desvincular do ambiente criado pelo Grande-Contrato e assim perder esses joguinhos criados pelas pessoas que convivem comigo. Nos alimentamos deles, rimos, nos divertimos, sofremos, lutamos e até matamos por eles. É a ilusão do efêmero prazer de viver uma realidade coletiva. Sim, é confortante saber que você faz parte de uma massa. Rei vitalício do seu mundo, seu maior desejo passa a ser reconhecido como mero súdito numa terra onde quem dita as regras não é você. O anonimato e o ser mais-um oferece a liberdade de não ter que pensar em como o futuro deve ser, de não ser olhado, de não ser julgado, de não ser iludido, deixando o cuidado reservado somente para a armadilha de seus próprios encantos. Enquanto mais-um, sou toda para mim.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Solidão Urbana por Contardo Calligaris

1. Há os que recusam convites porque, “de qualquer forma”, já sabem que não vai ser o grande amor;
2. Há os que não querem perder tempo com conhecidos, só “com grandes amigos mesmo”;
3. Há os que recusam convites porque, se for o grande amor, vai ser o fim de seus hábitos solitários consolidados;
4. Há os que recusam convites porque, se o grande amor acontecer, vão ter que parar de se preparar para o grande amor futuro;
5. Há os que recusam convites porque, cá entre nós, é muito trabalho;
6. O anseio por algo imediato, grandioso radical e impossível produz uma verdadeira fobia de qualquer possível;
7. Há os que querem aventura, mas têm medo do desconhecido;
8. Alguns, à noite, fazem compras na farmácia só para falar com alguém; se alguém lhes diz uma palavra, calam-se indignados;
9. Há os que procuram só sexo, mas recusam qualquer outro que queira “só isso”;
10. Há os que ficam petrificados, temerosos por seu relógio, quando alguém lhes pergunta a hora. Eles têm razão;
11. Há os que correm nas academias para ter a ilusão de estar correndo na companhia do cara da esteira ao lado;
12. Há os que correm nos parques e, quando se cruzam, cumprimentam-se com um sorriso, mas não parariam para conversar;
13. Há os que dizem que malham para ficar mais bonitos e encontrar alguém com quem namorar e passar as noites;
14. Entre esses últimos, há muitos que nunca passam à noite com alguém porque eles devem levantar cedo para malhar;
15. Há os que sofrem de insônia por solidão; dizem que, para dormir, eles precisariam encostar em outro corpo;
16. Há os que, de madrugada, olham para a cidade com o orgulho de serem as sentinelas do sono de todos os outros;
17. Há os que passam a noite de seriado em seriado; a luminosidade e a voz da TV lhes fazem companhia;
18. Há os que só pegam no sono quando o dia e os passarinhos garantem que as ruas tornarão a se povoar;
19. E há os que sofrem de insônia por solidão enquanto, em sua cama, há um outro que os espera (roncando ou não);
20. Há os que pegam emprestado um cachorro, que lhes serve de pretexto para papear com desconhecidos no parque;
21. Crianças pequenas também são pretexto para papear; passear com elas é um jeito de fazer novos amigos;
22. Acontece que um tio pegue crianças emprestadas para estimular papo-bebê com desconhecidos nos parques;
23.  A fofura de crianças e cachorros pode servir para esconder um desejo do qual alguém se envergonha ;
24. Muitos se envergonham de seu desejo, mesmo se esse desejo não tem nada de vergonhoso;
25. Há os que não manifestam seu desejo por medo de perder a face, se forem rechaçados;
26. Há os que escondem seu desejo porque acham que ele é único, bizarro ou doentio;
27. Há os que escondem qualquer desejo porque o fato de desejar lhes parece uma fraqueza;
28. Alguns andam pelas ruas abarrotadas, trabalham em imensos escritórios e perguntam: como faço para encontrar alguém? ;
29. Alguns, cansados de ficar sozinhos, querem uma relação, mas receiam que a relação use muito de “seu” tempo;
30. Há os que perguntam: se eu estiver com alguém, será que terei ainda tempo para mim?;
31. Alguns procuram, na foto pornográfica, a confirmação de que “aquilo”, às vezes, acontece mesmo;
32. Há os que vão para a zona só para contemplar os clientes e as prostitutas: querem certificar-se de que sexo existe;
33. Alguns vão para a zona para respirar fundo, como se fosse o último lugar onde o desejo ainda paira no ar;
34. Alguns ridiculizam e menosprezam as relações virtuais, mas enlouquecem de ciúme quando seu par liga o computador;
35. Alguns casais vivem juntos, transam e conversam, mas, para falar do que mais importa, correspondem-se por e-mail;
36. Há os que, na net, declaram paixões e sentimentos que não declarariam diante de um outro em carne e osso;
37. Se alguém só consegue dizer seu desejo teclando, isso significa que sua vida é “apenas” virtual?;
38. Há os que amam a cidade porque, nela, quase tudo é possível; curiosamente, muitos deles se permitem muito pouco;
39. Para alguns, todos os encontros (amorosos, culturais etc.) precisam ser possíveis, para melhor serem evitados;
40. Às vezes, a cidade é como uma balada: um jeito de ser rodeado por muitos sem ter que se relacionar com ninguém;
41. Há crianças que pegam no sono só se há luz e vozes de adultos na sala; não é o mesmo para os moradores da cidade?;
42. Muitos moradores da cidade só dormem com a televisão ligada, mesmo quando “sossegam” numa pousada no campo;
43. Prazer. No fim de tarde, no escuro que avança, ver as janelas pipocar pelas fachadas;
44. Prazer. No frio, caminhar quando todos se apressam para voltar para casa;
45. Prazer. Na chuva e no frio, passear pelas ruas das quais todos já fugiram;
46. Alguns denunciam a frivolidade urbana, mas exibem sua denúncia pelas ruas, como se fosse um acessório de marca;
47. Outros denunciam a frivolidade urbana e se trancam em casa; ostentam a indignação que dá um sentido à sua vida;
48. Na vida urbana, frivolidade é o exibicionismo dos outros – o que compete com o nosso;
49. Em 2007, Christina Copeman foi encontrada na sua casa do Brooklyn, morta há um ano. Indiferença urbana? Nem tanto…;
50. Muitos vêm para a cidade grande porque preferem lidar com conhecidos, amigos e amores do que com a família;
51. A taxa de suicídio é menor nas cidades grandes. Talvez amores, amigos e conhecidos deprimam menos do que as famílias.

Contardo Calligaris

domingo, 20 de junho de 2010

A mulher que matou um passarinho

Mesmo as boas intenções humanas não conseguem servir a natureza a contento. Estamos impregnados da péssima educação de que cuidar e preservar é ter pra si, guardado entre arames oferecendo venenos que consumimos para sobreviver. A grande Mãe não suporta nossa intervenção, mesmo que tentemos criar um falso ambiente para salvar uma espécie. Estou convencida de que não temos mais chance contra nosso próprio jeito de viver. Somente nós mesmos sobrevivemos nele. E a que preço vivemos assim?

Não tenho nenhum orgulho de pertencer à espécie que muda por necessidade de sobreviver na própria selva que criou.