sexta-feira, 30 de abril de 2010

Por que um corvo se parece com uma escrivaninha?




Tim Burton é um artista que criou seu mundo próprio, façanha cada vez mais rara hoje, principalmente num mundo onde parece que tudo já foi visto. Excelente diretor de arte, recria ambientes e personagens que só podíamos imaginar. É atento aos detalhes, onde acaba por assinar suas obras.


Alice in Wonderland (Underland?) estreou calçado numa grande campanha visual pelas já conhecidas imagens e capacidade de Depp (dando vida ao esquisito e original Chapeleiro Maluco) e Helena Bonham Carter (com a malvada Rainha Vermelha), talvez por isto as críticas ao filme tenham sido tão duras. Proponho uma revisão: o filme tem seus pontos baixos, podemos admitir. O que não deve ser entendido como fracasso, cada um tem seus méritos. Convido vocês a debaterem comigo as "falhas" do filme:

"Tim Burton nunca foi muito bom em narrar histórias" por Demetrius Caesar (clique nos nomes para ler a crítica): Essa eu não concordo de maneira alguma, seus roteiros são ainda os mais originais, ele consegue ultrapassar o commom sense facilmente e deve ser muito criticado no meio justamente por isto. Para mim, ele é o melhor "contador/diretor" de histórias do cinema americano.

"As cenas de ação não funcionam e o final, com Alice tendo de matar um monstro gigantesco, Jabberwocky, simplesmente não convence" pelo mesmo crítico: Realmente, a cena na luta de Alice contra Jaguadarte (tradução brasileira para Jabberwocky) não é o ponto mais alto do filme e talvez este momento tenha sido abreviado na gravação justamente porque não é o mote do filme. Gostei da ideia de ela mesma ser o Cavalheiro Real com a incubência de matar o tal monstro. Muito chato aqueles filmes que quem luta contra o vilão final da história parece ter tanta força quanto ele.

"...garota (feita por uma atriz com cara de enjoada, sem maior carisma, o primeiro grande erro) po Rubens Ewald Filho: a atriz é Mia Wasikowska, australiana de 21 anos, com pouco tempo e reconhecimento na carreira. Insisto: o ar ingênuo e o perfil por vezes passivo não poderia escapar aos olhos de Burton como se fosse um erro primário. É claro que a intenção era trazer a tona o mix entre Alice criança e a Alice que cresceu, mas ainda acredita ser real seus próprios pesadelos. Esta Alice patina na estrada que liga a infância a idade adulta; mostra uma educada rebeldia negando a vestir-se adequadamente para o baile no início do filme e obtém a atenção que merece no filme. Embora leve seu nome no título, Alice não é a persona principal do filme. O destaque é maior para a versão de Burton sobre o clássico.

"Nem o filme tem grandes momentos que justifiquem a terceira dimensão" por Rubens Ewald Filho: Não concordo justamente porque não penso que o cinema 3D seja somente para aqueles filmes de ação e explosões como Transformers. O cinema 3D inaugura uma nova tecnologia que permite participarmos da história. E quem não gostaria de estar num filme de Burton. Torço para que em pouco tempo, todos as películas sejam em 3D.

O que falta aos críticos é liberdade para pensar como um personagem de Burton e humildade para aceitar inteira a obra do artista. Que maravilhas tem o país de Alice?

1. Personagens estranhos e animais humanizados: O ponto forte de Tim Burton é colocar em ênfase seus personagens. Escolher o 3D é expor estas atuações ao máximo. Tanto para os personagens que foram interpretados por pessoas como a Rainha Branca, a Rainha Vermelha, o Chapeleiro Maluco e a própria Alice; quanto os personagens não-humanos: o apressado Coelho branco, o fantástico exército de copas da rainha, o próprio Jaguadarte, a muito louca lagarta azul e o enigmático gato risonho.

2. O figurino dos personagens: as peças clássicas foram modificadas, introjetanto um quê do espírito de Burton em cada uma delas. O figurino mais excêntrico certamente é o do Chapeleiro Maluco, em segundo lugar, eu votaria na Rainha de Copas, ou Vermelha. Até Alice ganha um figurino modificado cada vez que cresce ou diminui. Aí valem cortinas ou pequenos adornos de chapéu.

3. Transcendentalismo: A possibilidade de ser uma Alice ordinária no mundo que conhecemos ou ser apontada como a salvação do Mundo Subterrâneo. Com o desenrrolar do filme, vamos vendo uma Alice mais madura em relação às dificuldades que se apresentam e principalmente, consigo mesma. Este "encontro com si mesma" faz dela mais segura para dizer não ao casamento que lhe é proposto antes de aceitar o convite do Coelho Branco. A "frabulosa" possibilidade de circular entre os dois mundos e conviver com elementos tão excêntricos de cada uma deles, faria qualquer pessoa transcender-se.

4. Neologismos: Deve-se a Carroll a criação de novas palavras no País Maravilhoso de Alice. Ele era apaixonado pela aglutinação de termos que trouxessem dois significados. Burton contribuiu mantendo a problemática da interpretação linguística dos termos.

Para mim, a versão de Burton não escapa ao que esperei quando a gravação do filme foi anunciada. É a sua ótica da história, acredito que ele não desejou receber o título de melhor versão do filme. Afinal de contas, por que um corvo se pareceria com uma escrivaninha?

Escolha estar penteada ou feliz!

Classifico as mulheres em duas categorias: mulheres penteadas ou mulheres felizes. Certamente, sou uma despenteada desde que ainda nem tinha cabelo, a última coisa que olho no espelho é para ele. E quando olho, gosto dele bem assanhado. As madeixas bem penteadas são muito comuns, original mesmo é quem consegue fazer-se bela originalmente descabelada. Estas certamente estão felizes!


Elegi aqui algumas corajosas:


Helena Bonham Carter - Cabelos morbidamente assanhados


Amy Winehouse - Toda ela é amassada, não somente os seus cabelos, mas suas roupas, seu humor e, agora, suas silicontetas.


Mafalda - Revolucionária assanhada



Coutney "barraqueira assanhada" Love



Uma Thurman - Sexy guerreira tarantina



Goldie Hawn - O tempo todo descabelada



Drew - Descabelada por um furacão?



A "Bella" Kristen Stewart, descabelada em Runaways.



Nina Hagen - Selvagemente Assanhada



Cindy Lauper - Descoloridamente cabelos ao vento




Um pouco de descontrole capilar faz bem a qualquer uma. Que saco deve ser ter que conter a rebeldia dos fios, como se fosse possível educá-los à maneira que fomos forçadamente educados. Basta o que tem dentro da nossa cabeça, o que tem fora, deixa-se rebelar!!!

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Pop | Fashion | Dream | Monster

A arte de Gaga retrata o período que vivemos no mundo agora!



sábado, 24 de abril de 2010

Crias de Dourado


Hoje de manhã li uma matéria sobre alguns alunos da USP que se organizaram clandestinamente e lançaram um jornal chamado O Parasita. Estes alunos são do curso de Farmácia e o objetivo do jornal é incitar outros alunos contra os homossexuais da USP. O jornal circula por email e não tem periodicidade definida. Nesta última edição, os parasitas desafiam que os alunos joguem merda nos homossexuais.

Vejam abaixo a publicação:

A reitora da USP prometeu punir os responsáveis pela publicação. Não se espantem se, a favor destes anônimos, surgirem quaisquer opiniões, afirmando que não, eles não são homofóbicos. No curso de farmácia da USP não tem uma disciplina sobre ética ou atendimento humanizado discriminalizado? Serão estes futuros farmacêuticos que atenderão o heterogêneo público que precisa de seus cuidados? E como será este atendimento se o paciente for um 'merecedor de merda'?
Estes profissionais serão aqueles responsáveis pelo desenvolvimento de remédios contra a AIDS?

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Dia da Terra


Para prestigiar o Dia da Terra, cito Clarinha:


Quando o sol se derramar em toda sua essência desafiando o poder da ciência pra combater o mal
E o mar, com suas águas bravias levar consigo o pó dos nossos dias vai ser um bom sinal.
Os palácios vão desabar sob a força de um temporal e os ventos vão sufocar o barulho infernal
Os homens vão se revelar dessa farsa descomunal vai voltar tudo ao seu lugar afinal
Vai resplandecer uma chuva de prata do céu vai descer
O esplendor da mata vai renascer e o ar de novo vai ser natural
Vai florir, cada grande cidade o mato vai cobrir
Das ruínas, um novo povo vai surgir
E vai cantar afinal
As pragas e as ervas daninhas, as armas e os homens de mal vão desaparecer nas cinzas de um carnaval...


Não somos nenhuma medida maior que ela. E não somos também os exclusivos herdeiros daquilo que ela oferece. Com nossa inteligência, recebemos também o dom de ser gananciosamente humanos.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Mais que amigos: parte de uma vida



O Japão alimenta e mantém uma cultura tão diferente da nossa que as vezes assusta os hábitos ocidentais. Vejam só vocês que descobri que existe uma casa de repouso em Sapporo para cães-guias aposentados. Diferente aqui do Brasil, as pessoas cegas no Japão usam frequentemente a ajuda de cães-guias treinados para auxiliar no trânsito e na movimentação destas pessoas.
Os cães-guias japoneses normalmente se "reformam" entre os 11 e 12 anos. São amparados por uma lei japonesa que se preocupa com a velhice dos cães que trabalharam a vida toda em prol de cegos. Quando chega a hora certa, eles são tirados da convivência com seus donos e são encaminhados para a Casa de Repouso. Isso deve ser feito porque, diferente dos humanos, eles não percebem que estão com a capacidade física comprometida e assim não deixam de "trabalhar", não pedem aposentadoria. Eles simplesmente são "reformados" porque podem ameaçar a sua vida e de seu dono, já que se tornam idosos.
A separação não parece ser fácil, por isto os funcionários são muito dóceis e amáveis para receber o cão que precisará de muita atenção e dedicação no fim de sua vida. As instalações foram construídas para facilitar o acesso de cães com dificuldade de locomoção. Assim, eles tem atividade física e cuidados médicos todos os dias. O local conta também com uma espécie de santuário e cemitério para os cães que morrerão e, em todo mês de agosto é realizada uma cerimônia religiosa para os animais que já viveram na casa.
Aproveitando o clima fraternal, desejo divulgar o trabalho do Abrigo São Lázaro: é um lar temporário para animais abandonados. Todos os meses, os organizadores do abrigo fazem eventos para adoção de cães e gatos. Podemos também contribuir doando rações, medicamentos, material para construção de canis, bebedouros e muito carinho. Adote um animal!

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Chá, cartoon e assassinato: a consciência do Daime




A disciplina de Sociologia tem me feito pensar um bocado. Vou postar esse texto para acalorar as discussões. Boa leitura!

No misterioso universo das tragédias, há aquelas que podemos prever como cursos naturais de um histórico complicado e há aquelas que nos assustam como se tivéssemos em algum tipo de transe temporário quando lemos a notícia. O assassinato de Glauco Villas Boas e do seu filho Raoni certamente é uma destas. Parece-nos que nem as vítimas nem o assassino apresentavam comportamento “de risco” que levassem suas vidas ao trágico fim. Como a sacada de uma história corriqueira desenhada à mão que não entendemos o fim e, de fato, não tem nenhuma graça.

Cartunista premiado, Glauco escrevia e desenhava para renomados jornais. Era um profissional reconhecido na sua área e apresentava em seus trabalhos o conhecido humor ácido que unia “um jeito particular de inocência e malícia”. Pertencia à geração pós ditadura como Jaguar, Millôr, Henfil e Angeli. Raoni, seu filho de 25 anos, trabalhava para comunidades indígenas necessitadas. Já Carlos Eduardo, o maluco assassino conhecido por Cadu, nos últimos três anos, vinha exibindo sinais claros de perturbação psíquica, quando afirmava “que era a reencarnação de Jesus Cristo” e rezava ajoelhado para plantas. Não aceitava tratamentos psiquiátricos, pois afirmava que não desejava terminar como sua mãe, portadora de esquizofrenia aguda. Era usuário contumaz da maconha. Diante disso, Cadu fez-se seu próprio terapeuta-guru: aceitou a Jesus através do Santo Daime. O Santo Daime é uma manifestação religiosa que surgiu na Amazônia no início do século XX. Tem como base a fabricação e o uso de uma bebida - o chá de Ayahuasca – que garante a cura e o bem estar do indivíduo, sendo o autoconhecimento e a internalização os meios de se obter ascensão espiritual. Para os cientistas, é um poderoso alucinógeno. Nos rituais, há uma forte presença musical com a proclamação de hinos religiosos e uso de maracás, um instrumento indígena. Surgiu no Acre e se espalhou para praticamente todos os Estados do país. Glauco era fundador da igreja Céu de Maria e sua fundação tinha o objetivo de recuperar viciados em drogas, como ele mesmo havia sido anteriormente recuperado. Com a notícia estampada nos jornais, o Santo Daime entra numa nova polêmica pelas suas características alucinógenas e também por estar envolvido no assassinato de quem pregava sua função terapêutica. Alguns setores da mídia se aproveitam do fato para trazer à tona a velha perseguição a estes grupos, já bastante marginalizados. Para a antropóloga Beatriz Labate, pesquisadora do uso do Ayahuasca em rituais religiosos: “É preciso fazer uma análise crítica do episódio já que, usualmente, ingerimos outras substâncias que alteram a percepção como o álcool e não rende nenhum tipo de reportagem com o titulo: bebeu cerveja e matou”.

A pergunta central desta tragédia reside em refletirmos sobre quem matou Glauco e seu filho Raoni. Foi uma combinação triste de drogas ilícitas com o chá? Foi a doutrina do Santo Daime e suas divindades indígenas? Foi o engajamento do cartunista em uma seita que estimula o “autoconhecimento”? Foi a omissão da família do garoto drogado e perturbado mentalmente que rezava para plantas? Foi a abordagem da mídia sobre o assunto que tentou transformar o caso em uma tirinha de primeira página? Para Durkheim, o direito, os costumes, as crenças religiosas e o sistema financeiro já haviam sido formados antes da existência de qualquer indivíduo. Portanto, Cadu teve que absorver todos esses sistemas sem questioná-los. A história sem graça da morte de Glauco é então filha da coerção deste sistema que impõe valores socialmente aprovados? Segundo o pai do assassino, a família de Cadu “ficou feliz” em saber que o filho estava freqüentando uma igreja. Era como se a igreja pudesse curar os erros do filho e orientá-lo para uma vida regrada e correta, o que tornaria a história de Cadu totalmente desinteressante para um cartoon. Seria então Cadu o único responsável, isolado e esquizofrênico, sobre a morte de Glauco e Raoni? Para Durkheim, “os homens são seres passivos, jamais poderiam transformar sua realidade histórica”. Por isso, ele pregava que os valores morais podiam ser a chave para crises econômicas e sócio-políticas. Concordava com Saint Simon sobre o papel que a ciência poderia oferecer para substituir a religião.

Vemos, então, o chá que promete cura e liberdade das idéias de cada um como uma espécie de hóstia xamânica para aqueles que a igreja católica não consegue pescar. Cadu poderia mesmo ter um fim diferente?

Depois que nos queixamos e nos sensibilizamos justamente por Glauco ser uma figura importante e conhecida, essa tragédia relega a vítima e seu filho a segundo plano. O ponto central parece continuar sendo o perturbado Cadu e sua história de vida. Num mundo sem desigualdades, teria precisado Cadu procurar uma doutrina que o entendesse e oferecesse ajuda e cura como o Céu de Maria? Cadu tinha muitas opções? Ser livre é ser igual? Precisamos estar livres para buscarmos a tal igualdade? A fraternidade só existe num mundo em que as igualdades são diferentes para uns e para outros. Se é que isso pode ser chamado de igualdade. Aqui deixo minha crítica pessoal às campanhas da fraternidade da igreja católica e aos projetos sociais como o “Amigos da Escola”, pois estes responsabilizam o cidadão comum pela transformação de uma realidade muito maior do que se pode suportar o peso. Onde fica o trabalho do Estado, que deve ser o responsável direto pelas necessidades de quem recebe os auxílios pecuniários e morais do “Amigos da Escola” e das campanhas de fraternidade da igreja católica? Cadu, estava relegado a eutanásia social, ao descaso e a falta de apoio por parte do Estado, que não pensa e não considera grave uma necessidade de um determinado grupo: os doentes mentais. Se as leis fossem mais rígidas para a família que cometeu omissão e deixou o filho em busca de ajuda sozinho, certamente o comportamento destes seria diferente. Quem paga a conta neste caso? Fatalidade? Vítimas do acaso? Ou carma realizado, como sugere o espiritismo de Kardec tão em moda nestes 100 anos de nascimento de Chico Xavier? O desencarne de Glauco e Raoni deve ser visto como um fato isolado ou resultado da ignorância das nossas leis e por que não dizer dos nossos valores?

A Renascença italiana produziu aquilo que chamamos de individualidade, que pode ser entendido como o desejo individual de aparecer, de se apresentar de maneira diferente dos outros. O respeito à crença religiosa de Cadu é entendido como distinção dos dogmas de outras igrejas ou como liberdade de pensamento e do indivíduo como tal? Para Sartre, “estamos condenados à liberdade”. Diz Marilena Chauí: “É ela quem defini a humanidade dos humanos, sem escapatória”. Segundo Simmel, “em qualquer pessoa particular vive, em sua essência, o homem genérico, assim como a mais peculiar parte da matéria apenas expressa, essencialmente, a lei universal da matéria como tal”. Assim, em cada situação única e particular encontramos sempre a mesma individualidade: o homem abstrato. O ambiente de fraternidade buscado por Cadu no Céu de Maria foi, dentro dele, encontrado. Para Glauco, que oferecia a fraternidade no Céu de Maria, podemos citar Simmel: “Quando o homem é realmente ele próprio, possui uma força concentrada suficiente não apenas para a própria autopreservação, mas, por assim dizer, transborda para outros, permitindo a recepção desses outros em si mesmo e a identificação com estes”.

Diante de tantos caminhos expostos, ainda nos fica difícil encontrar o verdadeiro responsável por esta e por outras tragédias, mas Santo Agostinho complica nosso diagnóstico quando diz: "Deus está em todos". Se Deus está em todos, estava em Glauco nas suas intenções quando criou o Céu de Maria; estava em raoni, que permaneceu ao lado do pai no momento do assassinato e está em Cadu, que acredita ser o próprio criado do Universo. Estar livre é libertar-se das tutelas externas (econômicas, políticas e sociais) e das tutelas internas (julgamentos e opiniões). Somos todos iguais na liberdade, somos iguais porque podemos ser todos livres. E livres, podemos ser o que quisermos: quem puxa o gatilho ou quem sofre a consequência deste.

domingo, 18 de abril de 2010

"Toda criança cresce: menos uma": a meus tios e primos


Em pouco tempo, quando minha família mais próxima já estiver formada, suspeito que não terei mais as lembranças que tinha quando era criança. Este final de semana assisti a um vídeo de quase 20 anos atrás e percebi o quanto o ser humano pode mudar. Não mantemos mais o contato com a maioria das pessoas que estiveram conosco enquanto formávamos nosso caráter. Vi olhares mais apaixonados e relembrei de fatos e lugares que trazem uma saudade tão profunda que dói a alma. Ouvi atentamente músicas que fizeram parte da minha vida como fundo musical que não dava tanta importância no momento em que as vivi. Vi abraços apertados e atitudes que definem e classificam o que as pessoas um dia significaram para nós. Vi pessoas que não existem mais. E percebi que existem pessoas que não vejo mais. Nem num final de semana ordinário nem dentro das minhas paixões. Momento divã: chorei de saudade da minha infância.




É claro que tudo passa, nós enrijecemos a couraça e nosso coração fica indiferente. Disfarçamos que não nos importamos mais. E damos aquela velha desculpa de "um dia a gente marca!". Mentira, nunca é marcado nada e a gente sabe disso imediatamente depois que se despede. Parece que a única coisa que marca é o que ficou. E mesmo fazendo um esforço daqueles, não dá pra voltar a ter o mesmo sentimento. Ou dá? Dá pra sentir o mesmo cheiro do café (que eu não bebia) da minha tia? Dá pra fazer bagunça no apartamanento da minha avó? Dá pra dormir todo os primos juntos no mesmo quarto e combinar de dar susto naquele mais apavorado?
Meu olhar mudou, a vida parece mais real agora. Com seus problemas, ocupações e sonhos que detestaria pensar que um dia seriam meus. Hoje vejo a importância dos nãos que ouvi.



Mas, como Peter Pan, ainda acho que é chato ser adulto. O garoto que não quer crescer, não suportava ouvir um não e criou um mundo só meu, ops, dele: A Terra do Nunca. Como num livro de rosas prensadas, eu também tinha minhas fadas guardadas. Voar certamente seria mais interessante que ficar discutindo assuntos do jornal ou ouvindo Chico Buarque (castigo!). Foi duro descobrir que a vida tem suas responsabilidades e não é só diversão. Como Peter Pan, eu também tinha medo de crescer, de ser gente grande, de responsabilidades e compromissos, e medo de estar só. Esse personagem complexo está em cada criança e daria, de fato deu, um ótimo filme. Peter encontrou seus garotos perdidos e Wendy e, no segundo que pode, levou todos eles a sua Terra do Nunca. Quando criança, tentamos fazer isso com quem nos oferece maior confiança, nossos pais. Mas eles parecem estar ocupados demais em ouvir atentamente e encarar as fantasias de qualquer criança. Nessa época, é claro que não entendemos o que está por trás da história: a aversão de Peter ao amadurecimento e o início da sexualidade de Wendy. Só nos damos conta disso quando vivemos a nossa própria sexualidade, nada infantilizada. Conhecer uma fada muda significa o início da repressão que nos espera. Representa aquilo que não podemos falar. Mas, na vida real, nossas maiores preocupações são mesmo bem mais aterrorizantes que o Capitão Gancho. Não existe papel disponível nesse filme para os nossos pais. Quando é que Peter cresceu? Quando abandonamos a Terra do Nunca pra sempre? Nossas memórias mais bonitas parecem ter ficado presas dentro desse mundo onde tudo era possível.


sexta-feira, 16 de abril de 2010

Vampirismo Espiritual ou Espírito Vampiresco?

Para conseguir assistir o filme de Chico Xavier, passei 50 minutos e algum mal estar na fila. Consegui chegar ao guinchê de atendimento e a moça não aceitou o documento que comprova minha meia entrada como estudante. Fui e voltei, consegui encontrar o boleto de pagamento da faculdade. Ufa! Outra fila para comprar Doritos com cheddar (hum!) e, finalmente, mais uma fila pra entrar na sala. Nossas salas de cinema tornaram-se poucas para tantos cinéfilos? Ou a mesada dos shopholics aumentou? É culpa das sagas teen vampirescas? Nunca o povo gostou tanto de sangue!!! Tem uma cor bonita e a ideia de ser imortal parece tão possível. Ser diferente de todos os colegas da turma, ter um grupo fechado, manter uma vida secreta e ser muito, muito sexy. É a diferença que atrai, não ser da mesma espécie que a maioria faz com que esta solidão melancólica se torne tão inspiradora. O que Chico Xavier tem em comum com os infelizes sugadores? Chico também foi um solitário, incompreendido e julgado como "cria do demo". Condenado pela igreja como herege, não reconhecido pela própria família e maltratado moral e fisicamente "para se libertar" do transe alucinatório.
Chico viveu 92 anos encarnados e hoje, 8 anos após seu desencarne, suspeito que viva bem em seu outro lar. Podemos contabilizar, então, 2 vidas tanto para o Chico que tivemos a oportunidade de conhecer, ou seja, o Chico encarnado e o Chico espírito quanto para a extensa família de Conde Vlad, que um dia foi humana, real alive e que tornou-se, imortal. Ambos tiveram uma vida mundana, submetidos às tentações e às falhas humanas, escravos das necessidades básicas, pessoas que padeceram de suas mazelas e cumpriram suas ordinárias vidas humanas. Foram presenteados com a imortalidade da alma, um através do seus espírito etéreo e os outros, com a representação corpórea imortalizada. A diferença é que no caso de quem desencarna não preserva a beleza e o encanto de ter mantida a tez da pele a jovialidade da eternidade. O que nos atrai nestes personagens? É o mistério que se esconde na sabedoria de receber o dom da divina informação? Ou é a tranquila conformação de nunca deixar de existir?



Curiosidade sobre o Vampirismo Espiritual: www.chicoxavierbrasil.com/cienciaespiritismo.html

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Não é raça e sim, poder!

Quando pensamos em escravos, lembramos dos livros de história dos colégios com aquelas fotos de negros amarrados a um pau de sebo, curtindo as chicotadas enviadas pelos bem vestidos homens de branco. Talvez pela minha educação branca (?), sempre tive a sensação de que os negros escravos eram homens que mereciam aquelas chicotadas por terem feito algo muito, muito ruim. A verdade é que, se eu refletisse sobre aquela cena, pensaria que talvez, muito remotamente, meus zazaravôs podiam ser descendentes do ramo que descia a chibata e não daquele que sentia o sangue descer das costas. Dizem que se batiam muito nos negros para que o sangue chegasse a pingar no chão, já que a rubra cor confundia-se com a negra pele dos escravos.
Tenho a cor da pele clara, nasci com os cabelos escorridíssimos e pálidos. E somente por isso passava na minha cabecinha que eu vim de fora e não era uma selvagem. Ninguém me disse que tenho o sangue daqueles que sofreram por não se entregarem à escravidão e por ela, padeceram. Acordei assim meio de repente, dando-me conta da minha origem negra. E olhando pra minha pele cheguei a encontrar pigmentos nada alvos sob a brancura de quem não vai mais à praia. Conclui que a cor da pele está dentro dos olhos de quem a vê. E não tem essa de sangue puro não, somos todos mestiços. Tenho alguns zililitros de sangue sofredor aqui. Dá pra perceber a dificuldade que temos em assumir isto. Hoje ainda temos uma resistência branca tupi-europeia que impede a luta dos nossos Dragões do Mar e Almirantes Negros? A questão não é de raça, pedigree ou essas coisas... A questão é o poder! Neste caso, vinculado à origem pela cor da pele. Outro dia, assisti um capítulo daqueles realitys, acho que era America's Next Top Model, onde as candidatas ao título ficam, durante o período dos testes, confinadas ao mesmo teto, enfim, lá vem, mulheres juntas, competição pelo cobiçadíssimo título, TPMs coletivas, ciúmes das chapinhas...A única participante negra do programa justificou que sua bronca com uma outra lá dizendo: "Sonho em ter duas empregadas na minha casa, duas loiras cozinhando pra mim!". Pronto, agora é vingança. Como não sou negra, não tenho na pele, a ideia do que é ser discriminada por este motivo. Estamos dispostos a pintar nossa própria pele de uma cor mais escura e continuarmos felizes? Não somos ainda escravos de algum senhor? Somos ainda racistas na relação cultural, linguística e social. É bem verdade, veja: se vemos um negro bem vestido, endinheirado, logo arriscamos "Ou é jogador de futebol ou traficante"; se nos aparece um assaltante branco, logo reclamamos "Ele até tinha uma boa aparência!". Escravizamos e somos escravizados até hoje. Trocamos a senzala pelos elevadores de serviço e trocamos a chibata por assédio moral. Só não trocamos a cor de quem serve os brancos puros brasileiros.
Não desejo entrar no mérito de quem escolhe mudar a fibra do seu cabelo e a feição de seu nariz para não inflamar os pitangys brasileiros (e porque não dizer cearenses?). Ponto para Vanessa da Mata que canta Joãozinho: "Moça de Joãozinho no cabelo, faz de conta no espelho. Abre a porta e vai para o asfalto, alisa a ponta do cabelo, só a ponta do cabelo. Corre quando começa a chover, olha só vai molhar e o cabelo encolher." E por que não dizer também, ponto para Caetano em Eu sou Neguinha! Assim como nos quilombos, o "povo negro" se avizinha nos morros do Rio e lá faz sua morada com os recursos que dispõem. Criam suas próprias leis, educam conforme foram educados pela maioria branca, lá na época da colonização, lembram? E os barracos que caíram, hoje transformados em moradia e lar, aos seus modos, foram entregues por homens brancos na época das eleições. E acusam os quilombolas de ocupação irregular! Ganho meu barraco e faço o quê? Assento ele nas ruas da Barra da Tijuca? Não, é melhor morar nas curvas do morro onde eles são a maioria. Juntos, podem descer do morro e pegar um pouco dos tupi-holandeses pra si. Lá emcima do morro, descansam a noite pensando tal como Zumbi a espera de Domingos Jorge Velho.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Primeiríssimas palavras


A procura é algo instigante. Quando se busca algo concreto, facilmente também pode se perceber se houve sucesso ou não. Basta olhar para as mãos. A coisa se complica quando buscamos algo que não pode ser tocado. Espero que os leitores sejam muitos. Espero que as palavras sejam sábias e os comentários interessantes. Espero que isto cresça. Espero que eu cresça e continue com a "busca". Espero que ela nunca diminua, só permito que ela se transforme.
Será que a gente se encontra lá?
É mesmo necessário para todo começo o sentimento de propriedade sobre as "coisas suas". Desfrutar das possibilidades à frente sendo a única responsável por elas. Essa sensação é de ter o mar somente meu, pra navegá-lo inteirinho, rápido ou devagar, olhando pra lua ou sentindo o sol, pra qualquer direção que minha luz apontar. Ganhei de presente o mundo. Já não sou só mais minha, agora sou de todo eu.