segunda-feira, 19 de abril de 2010

Chá, cartoon e assassinato: a consciência do Daime




A disciplina de Sociologia tem me feito pensar um bocado. Vou postar esse texto para acalorar as discussões. Boa leitura!

No misterioso universo das tragédias, há aquelas que podemos prever como cursos naturais de um histórico complicado e há aquelas que nos assustam como se tivéssemos em algum tipo de transe temporário quando lemos a notícia. O assassinato de Glauco Villas Boas e do seu filho Raoni certamente é uma destas. Parece-nos que nem as vítimas nem o assassino apresentavam comportamento “de risco” que levassem suas vidas ao trágico fim. Como a sacada de uma história corriqueira desenhada à mão que não entendemos o fim e, de fato, não tem nenhuma graça.

Cartunista premiado, Glauco escrevia e desenhava para renomados jornais. Era um profissional reconhecido na sua área e apresentava em seus trabalhos o conhecido humor ácido que unia “um jeito particular de inocência e malícia”. Pertencia à geração pós ditadura como Jaguar, Millôr, Henfil e Angeli. Raoni, seu filho de 25 anos, trabalhava para comunidades indígenas necessitadas. Já Carlos Eduardo, o maluco assassino conhecido por Cadu, nos últimos três anos, vinha exibindo sinais claros de perturbação psíquica, quando afirmava “que era a reencarnação de Jesus Cristo” e rezava ajoelhado para plantas. Não aceitava tratamentos psiquiátricos, pois afirmava que não desejava terminar como sua mãe, portadora de esquizofrenia aguda. Era usuário contumaz da maconha. Diante disso, Cadu fez-se seu próprio terapeuta-guru: aceitou a Jesus através do Santo Daime. O Santo Daime é uma manifestação religiosa que surgiu na Amazônia no início do século XX. Tem como base a fabricação e o uso de uma bebida - o chá de Ayahuasca – que garante a cura e o bem estar do indivíduo, sendo o autoconhecimento e a internalização os meios de se obter ascensão espiritual. Para os cientistas, é um poderoso alucinógeno. Nos rituais, há uma forte presença musical com a proclamação de hinos religiosos e uso de maracás, um instrumento indígena. Surgiu no Acre e se espalhou para praticamente todos os Estados do país. Glauco era fundador da igreja Céu de Maria e sua fundação tinha o objetivo de recuperar viciados em drogas, como ele mesmo havia sido anteriormente recuperado. Com a notícia estampada nos jornais, o Santo Daime entra numa nova polêmica pelas suas características alucinógenas e também por estar envolvido no assassinato de quem pregava sua função terapêutica. Alguns setores da mídia se aproveitam do fato para trazer à tona a velha perseguição a estes grupos, já bastante marginalizados. Para a antropóloga Beatriz Labate, pesquisadora do uso do Ayahuasca em rituais religiosos: “É preciso fazer uma análise crítica do episódio já que, usualmente, ingerimos outras substâncias que alteram a percepção como o álcool e não rende nenhum tipo de reportagem com o titulo: bebeu cerveja e matou”.

A pergunta central desta tragédia reside em refletirmos sobre quem matou Glauco e seu filho Raoni. Foi uma combinação triste de drogas ilícitas com o chá? Foi a doutrina do Santo Daime e suas divindades indígenas? Foi o engajamento do cartunista em uma seita que estimula o “autoconhecimento”? Foi a omissão da família do garoto drogado e perturbado mentalmente que rezava para plantas? Foi a abordagem da mídia sobre o assunto que tentou transformar o caso em uma tirinha de primeira página? Para Durkheim, o direito, os costumes, as crenças religiosas e o sistema financeiro já haviam sido formados antes da existência de qualquer indivíduo. Portanto, Cadu teve que absorver todos esses sistemas sem questioná-los. A história sem graça da morte de Glauco é então filha da coerção deste sistema que impõe valores socialmente aprovados? Segundo o pai do assassino, a família de Cadu “ficou feliz” em saber que o filho estava freqüentando uma igreja. Era como se a igreja pudesse curar os erros do filho e orientá-lo para uma vida regrada e correta, o que tornaria a história de Cadu totalmente desinteressante para um cartoon. Seria então Cadu o único responsável, isolado e esquizofrênico, sobre a morte de Glauco e Raoni? Para Durkheim, “os homens são seres passivos, jamais poderiam transformar sua realidade histórica”. Por isso, ele pregava que os valores morais podiam ser a chave para crises econômicas e sócio-políticas. Concordava com Saint Simon sobre o papel que a ciência poderia oferecer para substituir a religião.

Vemos, então, o chá que promete cura e liberdade das idéias de cada um como uma espécie de hóstia xamânica para aqueles que a igreja católica não consegue pescar. Cadu poderia mesmo ter um fim diferente?

Depois que nos queixamos e nos sensibilizamos justamente por Glauco ser uma figura importante e conhecida, essa tragédia relega a vítima e seu filho a segundo plano. O ponto central parece continuar sendo o perturbado Cadu e sua história de vida. Num mundo sem desigualdades, teria precisado Cadu procurar uma doutrina que o entendesse e oferecesse ajuda e cura como o Céu de Maria? Cadu tinha muitas opções? Ser livre é ser igual? Precisamos estar livres para buscarmos a tal igualdade? A fraternidade só existe num mundo em que as igualdades são diferentes para uns e para outros. Se é que isso pode ser chamado de igualdade. Aqui deixo minha crítica pessoal às campanhas da fraternidade da igreja católica e aos projetos sociais como o “Amigos da Escola”, pois estes responsabilizam o cidadão comum pela transformação de uma realidade muito maior do que se pode suportar o peso. Onde fica o trabalho do Estado, que deve ser o responsável direto pelas necessidades de quem recebe os auxílios pecuniários e morais do “Amigos da Escola” e das campanhas de fraternidade da igreja católica? Cadu, estava relegado a eutanásia social, ao descaso e a falta de apoio por parte do Estado, que não pensa e não considera grave uma necessidade de um determinado grupo: os doentes mentais. Se as leis fossem mais rígidas para a família que cometeu omissão e deixou o filho em busca de ajuda sozinho, certamente o comportamento destes seria diferente. Quem paga a conta neste caso? Fatalidade? Vítimas do acaso? Ou carma realizado, como sugere o espiritismo de Kardec tão em moda nestes 100 anos de nascimento de Chico Xavier? O desencarne de Glauco e Raoni deve ser visto como um fato isolado ou resultado da ignorância das nossas leis e por que não dizer dos nossos valores?

A Renascença italiana produziu aquilo que chamamos de individualidade, que pode ser entendido como o desejo individual de aparecer, de se apresentar de maneira diferente dos outros. O respeito à crença religiosa de Cadu é entendido como distinção dos dogmas de outras igrejas ou como liberdade de pensamento e do indivíduo como tal? Para Sartre, “estamos condenados à liberdade”. Diz Marilena Chauí: “É ela quem defini a humanidade dos humanos, sem escapatória”. Segundo Simmel, “em qualquer pessoa particular vive, em sua essência, o homem genérico, assim como a mais peculiar parte da matéria apenas expressa, essencialmente, a lei universal da matéria como tal”. Assim, em cada situação única e particular encontramos sempre a mesma individualidade: o homem abstrato. O ambiente de fraternidade buscado por Cadu no Céu de Maria foi, dentro dele, encontrado. Para Glauco, que oferecia a fraternidade no Céu de Maria, podemos citar Simmel: “Quando o homem é realmente ele próprio, possui uma força concentrada suficiente não apenas para a própria autopreservação, mas, por assim dizer, transborda para outros, permitindo a recepção desses outros em si mesmo e a identificação com estes”.

Diante de tantos caminhos expostos, ainda nos fica difícil encontrar o verdadeiro responsável por esta e por outras tragédias, mas Santo Agostinho complica nosso diagnóstico quando diz: "Deus está em todos". Se Deus está em todos, estava em Glauco nas suas intenções quando criou o Céu de Maria; estava em raoni, que permaneceu ao lado do pai no momento do assassinato e está em Cadu, que acredita ser o próprio criado do Universo. Estar livre é libertar-se das tutelas externas (econômicas, políticas e sociais) e das tutelas internas (julgamentos e opiniões). Somos todos iguais na liberdade, somos iguais porque podemos ser todos livres. E livres, podemos ser o que quisermos: quem puxa o gatilho ou quem sofre a consequência deste.

2 comentários:

  1. tenho orgulho de ter conhecer.
    belo trabalho.
    lumamelo

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  2. A verdade do Cefluris e o Santo Daime, a seita dos Narcotraficantes e ASASINOS.

    http://jusdaime.blogspot.com
    http://jusobrasil.blogspot.com

    Jorge Perez Novoa

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